sexta-feira, 7 de outubro de 2011

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Operário em construção

Operário em Construção Era ele que erguia casas
Onde antes so' havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Nao sabia por exemplo
Que a casa de um homem e' um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pa', cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com sour e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento

Alem uma igreja, à frente
Um quatel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Nao fosse eventuialmente
Um operário em contrucão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
`A mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operario em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mao
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que nao havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu tambem o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois alem do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Comecam a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pes andarilhjos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução

Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão nao queria
Nenhuma preocupação.
- "Convencam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.

Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se subito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vao sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porem, por imprescindivel
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Nao dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobra-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Sera' teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Nao ves o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Nao podes dar-me o que e' meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um siêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silencio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arratarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperanca sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razao porem que fizera
Em operário construido
O operário em construção

Sobre a infanticida Maria Farrar

Sobre a infanticida Maria Farrar


Maria Farrar, nascida em Abril,
menor, sem sinais particulares, raquítica, orfã,
sem qualquer condenação anterior, ao que se julga,
é acusada de ter assassinado uma criança, da seguinte forma:
Conta ela que já no segundo mês
em casa de uma mulher, num sótão,
tentou expulsá-lo com duas injecções
dolorosas, como se calcula, mas não saíu.

Não se indignem por favor,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Assegura contudo, ter pago de imediato
o estipulado, ter continuado a apertar a cintura,
ter também tomado aguardente com pimenta moída,
o que apenas serviu de forte purgante.
O corpo estava inchado e sentia também
dores frequentes quando lavava os pratos.
Estava ainda em idade de crescer, segundo ela própria dizia.
Rezou à Virgem Maria com muita fé.

a vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

As orações, ao que parece, não serviram de nada.
Pedia-se demasiado. Quando já estava mais cheia
sentia vertigens durante a missa. Suava muito.
E também suava de medo, com frequência, diante do altar.
Mas fez segredo sobre o seu estado
até ser surpreendida pelo nascimento.
Isto resultou, pois ninguém pensava
que ela, tão pouco atraente, pudesse ser presa de tentação.

E também a vós, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Nesse dia, diz, bem cedinho,
estando a limpar as escadas, sentiu como que umas unhas
a arranhar-lhe o ventre. A dor
sacudia-a, mas conseguiu manter-se calada.
Todo o dia, enquanto estendia a roupa que lavou,
pensou e tornou a pensar, até se dar conta,
de coração apertado, que tinha mesmo que parir.
Só tarde subiu para o quarto.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Quando estava deitada, vieram chamá-la;
tinha nevado e teve que varrer.
O trabalho durou até às onze. Foi um dia bem longo
Só pela madrugada pôde parir em paz.
Conta ela que pariu um filho.
O filho era igual aos outros filhos.
Mas ela não era como as outras, embora...
Não há motivo para brincadeiras.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Assim, pois, deixemo-la contar
o que sucedeu com este filho
(diz ela que não quer esconder nada)
para que se veja como somos.
Diz que ficou pouco tempo na cama
angustiada e sózinha;
sem saber o que aconteceria a seguir
obrigou-se a conter com esforço os gritos.

A vós também, peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Como o quarto também estava gelado,
segundo diz, arrastou-se com as últimas forças
até à latrina e ali
(quando, já não se recorda) pariu
sem ruído até ao amanhecer.
Estava, diz ela, muito perturbada nesse momento,
já meio entumescida, mal podia segurar o menino
prestes a cair na latrina dos criados.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Então, quando ía da retrete para o quarto
- antes, diz ela, não aconteceu nada - a criança
começou a gritar. Isso afligiu-a tanto
que se pôs a bater-lhe com os dois punhos,
cega sem parar até a criança ficar quieta.
Então, levou o morto
consigo para a cama durante o resto da noite
e pela manhã escondeu-o na lavandaria.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.

Maria Farrar, nascida em Abril,
falecida na prisão de Meissen,
mãe solteira, condenada,
quer mostrar-vos os crimes de todo o ser humano.
Vós que paris sem complicações em lençóis lavados
e chamais "bendito" ao vosso ventre prenhe,
não condeneis estas infames fraquezas
porque, se o pecado foi grave, o sofrimento também foi grande.

Por isso peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa daajuda de todos.

Bertolt Brecht

Construção coletiva

Acredito na troca de saberes que todos temos e na construção coletiva.